UMA BOA OBRA REALMENTE ACABA?

Semana passada, num evento de rua, conheci o artista Wictor OUTRO Bernardo. Em nossa brevíssima conversa, ele contou que estava lendo um livro do Ailton Krenak, e que estava tão bom, que ele não queria que acabasse. Ailton é um escritor ambientalista muito importante, mas seus livros são curtíssimos, leituras que cabem em um dia. O que não acho ruim, ele consegue ser sussinto sobre questões complexas, de forma envolvente e direta. São muitas coisas a debater e matutar após a rápida lida. E foi pensando nisso que o respondi: Um livro bom não acaba. 

Disse a ele que um bom livro não termina após a leitura. Que além de o acompanhar em pensamentos, conversas, e novas maneiras de olhar o mundo, um bom livro trás algo novo a cada releitura. Que ele não tivesse pena de encerrar, pois poderia reler e encontrar algo novo. Ele amou e então me agradeceu. Disse que era isso que precisava ouvir. Só depois, em casa, outro dia, foi que me lembrei disso e comecei a pensar no que falei. Eu o havia respondido na hora, pensamento rápido, com o que minha mente encontrou de útil para colaborar com sua questão de não concluir o obra. Depois disso fui fazer outras coisas e só agora meu subconciente está dizendo para mim também, o que Wictor precisava ouvir. Com toda certeza foi algo que já li de outra pessoa, um conceito emprestado que absorvi e estava guardado na minha cabeça. Não lembro de quem, mas fica aí mais um exemplo de alguma boa leitura que me acompanhou, atravessando meus pensamentos para um colega, e para você que talvez também precise ouvir isso. Então achei por bem cavucar mais um pouquinho na minha mente para entender melhor essa questão.

A crítica literária Julia Ledra, disse uma vez que seus livros favoritos são os que a fazem parar de ler. Que dão vontade de enterromper a leitura e viver, pensar sobre o que leu, aplicar na vida o que aprendeu, e conversar com alguém sobre o que acontece no livro. O cineasta Kleber Mendonça Filho, também disse uma vez¹ que os bons livros se tornam amigos seus. Que lhe oferece diálogos, que te ajudam. Essas duas falas, são mais exemplos de como um livro, mesmo tendo parado, ou terminado, não acabou de verdade. Ele ainda está com você, te acompanhando.

Estou falando até agora sobre livros, mas isso cabe para obras em outros formatos. Assim como um livro, um filme também pode te dizer algo diferente em uma revisita. Você pode ter novas impressões, pois sua cabeça muda, sua visão muda, e as obras que te acompanham, oferecem novas pespectivas para ter novas impressões de algo que tu já viu. É comum encontrar comentários de que determinada banda marcou uma época da vida de alguém, ou que ao ouvir certa música em um período diferente, se teve outras impressões e conseguiu tirar novos significados dela.

Então isso tudo é pra te dizer pra não ter pena, não ler devagar, não acelerar o filme, não demorar a ouvir um disco. A obra não acaba se ela permanece com você, te influenciando, gerando conversas, e te trazendo coisas novas após uma revisita.

"Uma obra ainda está viva quando tem leitores" — Leyla Perrone-Moisés

Por Magdiel em 26/11/2025

¹. No caso do Kleber, ele estava falando do Guia Comum do Centro do Recife, um livro que literalmente é pra te acompanhar. Mas acho válido, pois ele usou plural, então cabem mais livros.